sábado, 27 de fevereiro de 2010

O BRASILETE




Há mais ou menos 8 anos, foi-me dada a possibilidade de ouvir no Estado do Matogrosso do Sul , Região Centro-Oeste,Marcos Veron,líder do povo Guarani /Kaiowa,( soube mais tarde que em Janeiro do ano seguinte,viria a ser bárbaramente assassinado por jagunços, apoiados pela autoridade policial ,no decorrer de um covarde ataque noturno à aldeia de Taquara-município de Jutí).Fiquei absolutamente chocado com o que ouvi ,sobre a realidade da vida do seu povo,nomeadamente as vicissitudes porque passam na luta pelos seus direitos, nomeadamente a defesa da cultura índia, a manutenção das terras que sempre lhes pertenceram,o respeito pelas suas formas de ver a vida e o mundo que os rodeia.Foram chocantes relatos sobre as constantes disputas de terras com fazendeiros, os dramáticos confinamentos de tribos em pequenas reservas, com o consequente aumento de violência policial recaída sobre o seu povo.Referiu-me serem constantes as ameaças de morte,frequentes os assassinatos,as torturas,os espancamentos,os esquartejamentos e as violações de mulheres e crianças.
Sentimos a sua incompreensão sobre a razão deste permanente cruel processo de extremínio, impunemente cometido sobre todos eles,debaixo das vistas e com as inerentes cumplicidades da sociedade nacional,dos governos,das instituições da Républica .
(Hoje vivem no Brasil somente 734 mil índios,de 215 etnias - 0,4% do total da povoação brasileira- sendo certo que cerca de um terço dos índios vive na Região Norte do Brasil,na floresta amazónica).
Entretanto a conversa ia fluindo serenamente e "brasilete" era um vocábulo que de quando em vez,pelo Marcos Veron, ia sendo utilizado a meu ver, como forma de adjectivar algo ou alguém,mas tanto quanto entendíamos, com intenção perjurativa. Todos sabemos que Brasilete é nome de uma espécie arbória brasileira,mais concretamente uma grosseira variedade do pau-brasil,mas tenho de confessar que utilizada naquele outro contexto me confundia um pouco. Apercebendo-se do meu apuro,Veron, de imediato e com alguma graça, aprontou-se a esclarecer-me que "Brasilete",era um dos múltiplos nomes com que ele adjectivava o "branco mau". Esse que ,segundo o mesmo: " vai para 200 anos que nos vem ocupando o Brasil,nos tira as nossas terras e comete genocídio contra o meu povo".
É aqui, frequente, inventarem-se adjectivações depreciativas aos que, em maioria numerica e melhor armados mais não têm feito que massacrá-los e, progressivamente, extreminá-los.
São expressões de uma revolta igualmente dirigida ao Estado brasileiro,que actua a partir de uma política indigenista concebida para integrar os índios na comunhão nacional e,portanto,tratando-os como categoria em transição rumo à extinção.Lamentávelmente ,uma vez conseguido este aniquilamento,ficam removidos os últimos obstáculos para a destruição total do meio ambiente e,impunemente,se exterminam culturas milenares com tudo o que elas representam em termos de sabedoria,diversidade e pluriculturalidade.É que,ainda hoje no Brasil,os povos indígenas,com suas concepções de vida,formam ecossistemas nos quais os seres (humanos e não humanos) se reproduzem em interacção.São povos portadores de uma modelar sensibilidade que os leva a uma forma muito própria de ver e sentir o mundo que os rodeia.São pessoas para quem a terra é a natureza,a floresta,a fonte de matérias-primas,a água,enfim,o espaço a ser domesticado,manejado.A natureza é um conjunto integrado de entes que possuem vida,alma,espíritos que requerem cuidados,que se relacionam para o bem ou para o mal,um conjunto no qual os seres humanos estão incluídos.
Recordo o desabafo que ouvi do ancião Feliciano Soares para o jovem Adão Benites da comunidade Ñanderu Marangatu na aldeia Campestre,do município de Antônio João - MS.
Na língua Guarani existe uma palavra ñemoyrõ (em Kaiowá ñemyrõ),quer dizer tristeza,pranto,angústia,sentimento profundo que não vai passar,paixão,mágoa.É uma palavra usada para designar aquela dor de amor que não é correspondido.Essa palavra foi a expressão do ancião da aldeia Ñnhanderu Marangatu ao referir-se à terra que foi tomada e violentamente reintegrada à posse dos fazendeiros.Ñemoyrõ é o sentimento de dor em relação ao sonho de viver em paz no tekoha,é o sentimento de amor pela terra que foi,por diversas vezes, violentamente expropriada,é a dor de um amor partido,um sentimento forte,lá dentro do peito,que parece não ir passar nunca.Estas foram as expressões que o velho ancião utilizou ao falar de seus sentimentos.
Para o então líder do povo Guarani-Kaiowá Marcos Veron,são esses milhões de ocupantes brancos,que se mostram ao mundo como sendo "os verdadeiros brasileiros",todos ou quase todos a dizerem-se descendentes de alemão,italiano,francês mas sempre,(de forma implícita),dando a entender,mesmo que a verdade não seja essa, não descenderem de português ( "O portuga"), que há 188 anos vêm colonizando este imensamente rico subcontinente índio,esta notával construção Lusitana,iniciada em 1500 por Cabral,optimizada no sec.XIX pela Corte Portuguesa, que aqui solidificou a trave mestra de um imenso país,maioritáriamente intertropical e que,ignorando o povo índio, colocou em mãos de "Brasiletes"que, em todos estes anos, mais não têm conseguido do que mostral a sua total incapacidade de governar capazmente este riquíssimo país e de valorizar o nosso povo índio.

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